Como uma fome, me dava. Mas uma fome de ver,
não de comer. Sentava na sala toda arrumada, tapete escovado, cortinas lavadas,
cestas de frutas, vasos de flores – acendia um cigarro e ficava mastigando com
os olhos a beleza das coisas limpas, ordenadas, sem conseguir comer nada com a
boca, faminto de ver. À medida que a casa ficava mais bonita, eu me tornava
cada vez mais feio, mais magro, olheiras fundas, faces encovadas. Porque não
conseguia dormir nem comer, à espera dele. Agora, agora vou ser feliz, pensava
o tempo todo numa certeza histérica. Até que aquele cheiro de alecrim, de
hortelã, começasse a ficar mais forte, para então, um dia, escorregar que nem
brisa por baixo da porta e se instalar devagarzinho no corredor de entrada, no
sofá da sala, no banheiro, na minha cama. Ele tinha chegado.
Esses ritmos, só descobri aos poucos.
Mesmo o cheiro de hortelã e alecrim, descobri que era exatamente esse quando
encontrei certas ervas numa barraca de feira. Meu coração disparou, imaginei
que ele estivesse por perto. Fui seguindo o cheiro, até me curvar sobre o
tabuleiro para perceber: eram dois maços verdes, a hortelã de folhinhas miúdas,
o alecrim de hastes compridas com folhas que pareciam espinhos, mas não feriam.
Perguntei o nome, o homem disse, eu não esqueci. Por pura vertigem, nos dias
seguintes repetia quando sentia saudade: alecrim hortelã alecrim hortelã
alecrim hortelã alecrim.
Antes, antes ainda, o pressentimento de sua
visita trazia unicamente ansiedade, taquicardias, aflição, unhas roídas. Não
era bom. Eu não conseguia trabalhar, ir ao cinema, ler ou afundar em qualquer
outra dessas ocupações banais que as pessoas como eu têm quando vivem. Só
conseguia pensar em coisas bonitas para a casa, e em ficar bonito eu mesmo para
encontrá-lo. A ansiedade era tanta que eu enfeiava, à medida que os dias
passavam. E, quando ele enfim chegava, eu nunca tinha estado tão feio. Os
dragões não perdoam a feiura. Menos ainda a daqueles que honram com sua rara
visita.
Depois que ele vinha, o bonito da casa
contrastando com o feio do meu corpo, tudo aos poucos começava a desabar. Feito
dor, não alegria. Agora agora agora vou ser feliz, eu repetia: agora agora
agora. E forçava os olhos pelos cantos de prata esverdeadas, luz fugidia, a
ponta em seta de sua cauda pela fresta de alguma porta ou fumaça de suas
narinas, sempre mau, e a fumaça, negra. Naqueles dias, enlouquecia cada vez
mais, querendo agora já urgente ser feliz. Percebendo minha ânsia, ele
tornava-se cada vez mais remoto. Ausentava-se, retirava-se, fingia partir.
Rarefazia seu cheiro de ervas até que não passasse de uma suspeita verde no ar.
Eu respirava mais fundo, perdia o fôlego no esforço de percebê-lo, dias após
dia, enquanto flores e frutas apodreciam nos vasos, nos cestos, nos cantos.
Aquelas mosquinhas negras miúdas esvoaçavam em volta delas, agourentas.
Tudo apodrecia mais e mais, sem que eu
percebesse, doído do impossível que era tê-lo. Atento somente à minha dor, que
apodrecia também, cheirava mal. Então algum dos vizinhos batia à porta para
saber se eu tinha morrido e sim, eu queria dizer, estou apodrecendo lentamente,
cheirando mal como as pessoas banais ou não, cheiram quando morrem, à espera de
uma felicidade que não chega nunca.
Ele não compreenderia. Eu não compreendia,
naqueles dias – você compreende?
(Caio Fernando Abreu)
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