sexta-feira, 28 de março de 2014

Coração fora do peito.


Ora, pinhões! Eu nasci com o coração fora do peito. Queria que ele batesse ao ar livre, ao sol, à chuva. Queria que ele batesse livre, bem na vista de toda gente, dos homens, das moças. Queria que ele vivesse à luz, ao vento, que batesse descoberto, fora da prisão, da escuridão do peito. Que batesse como uma rosa que o vento balança.


(Rubem Braga)

quinta-feira, 27 de março de 2014

Disfarce.


Disfarçamos nosso abandono com frases ousadas e sem verdade alguma. O que a gente gostaria de dizer, mesmo, é: me dê sua mão.
(Martha Medeiros)

quarta-feira, 26 de março de 2014

Ela (Tão eu).


Ela é um doce, ás vezes um grande mistério que te faz querer descobrir a todos os instantes o quanto é interessante. Adora dormir até tarde, mas adora também ficar acordada até tarde, desfrutando do silêncio genuíno que a madrugada traz. Ás vezes aproveita para pensar, falar, escrever.
É uma mulher de ouro, um tesouro. Adora as leituras poéticas, mas isso não significa que queira ter um poeta. Gosta de cartas, de romantismo mas não de coisas melosas. E muitas vezes faladas sem verdade alguma. Como boa conhecedora, adora as palavras. Mas adora bem mais as atitudes e ama quando se tem atitudes com palavras verdadeiras.
Seu silêncio tem barulhos, ocasionados por seus pensamentos mais profundos. Mas eles também trazem respostas grandiosas pelo sorriso, depois de certo elogio. Ela é tímida com elogios. É uma grande conquistadora com o poder do sorriso, do jeito cativante e simples de ser. No olhar dar muitas boas respostas, sem meias palavras. Mulheres são seres sagrados, e não querem perguntas para os problemas. Mas sim, solução como as respostas deles.
Olhe para ela, admire-a até em suas confortáveis reclamações e a deixe segura sempre. Elas querem braços que possam enlaça-las com total conforto e afeto. Mas também querem a liberdade dos braços abertos.
Tem em si, o poder de cativar no primeiro “olá” que vier a dar. No primeiro sorriso desarmar. Um fascinante ser, de olhar, querer, tocar e trazer para o lado. És uma grande amiga e tem um papel fundamental com sua escuta. Mas adora falar, expor sua opinião e ir até o fim quando estiver certa. E quando estiver errada, vai assumir os próprios erros. É errante como todo ser humano e não perfeita.
A sua simplicidade é inigualável, tão única com seu jeito diferente e envolvente, faz acontecer. Tem caprichos, mas não querem que todos sejam realizados, querem sim que eles sejam ouvidos e compreendidos. É uma grande questionadora, como heroína. É princesa, é beleza, é menina, é anjo em forma de mulher. Com seus sorrisos, olhares e jeitinho diferente, é o diferencial na vida das pessoas. Ela é incrível.


(Robert Sampaio)

Tudo que começa, nunca acaba.



Eu gosto de tudo que começa. Eu gosto do número 1, do início, do começo. Gosto de tudo que nos tira do ponto 0. Tudo que anda, tudo que vai para a frente. Não gosto de ficar parado, é sedentarismo demais. Eu gosto de começar a correr atrás, de ir atrás. Por que ainda sismo em pensar que tudo que começa, nunca acaba.


(Nando Reis)

Decreto.


E fica decretado a partir de hoje:
é proibido chegar perto de mim quem não tem 
pelo menos um pouquinho de paz para me oferecer.
Quem não pode me dar o que me faz feliz.
Quem não tem a capacidade de enxergar o que tenho de mais bonito.
Quem não tem a delicadeza de caminhar no mesmo passo que o meu.
Quem não tem sonhos e me impede de voar.
Fica decretado, a partir de agora, 
que eu continuo a mesma ainda que completamente diferente!

(Cidinha Araújo)

O pássaro sonhador.


Dizia o pássaro sonhador, que não devemos morrer, mas que devemos viver por amor. Dizia o pássaro para quem quisesse ouvir que para um amor dar certo alguém tem que insistir, tem que compreender, tem que dele se perder e no outro se achar, tem que ter medo, mas ainda assim arriscar. Dizia o pássaro sonhador, que quem ama apoia o outro na dor, mesmo que isso lhe doa as carnes e os ossos, porque o amor torna o peso dos outros em nossos. Dizia o pássaro sonhador que existem muitos tipos de amor, mas que todos eles só podem ser amor se não tiverem tamanho nem prazo de validade.

(L. Martins)

Tequila com sal.


Não sei se as pessoas me entendem, quando não tenho medo de dizer o que sinto e as surpreendo sendo sinceras demais perante o que elas esperavam ouvir.
Sei que assusto... Já me falaram isso antes!
O encoberto as vezes é mais interessante do que o que se expõe.
Concordo com isso, quando o quesito é vulgaridade. Não é o caso.
Falo de sentimentos, e dos meus.
Quero bem.
Gosto.
Me apego fácil, mas não crio expectativas. 
E se as crio, não sofro por elas não serem correspondidas.( Já sofri antes e hj sei que não vale a pena)
Gosto das cartas sobre a mesa.
Sou mulher. Sou carinhosa.
Minha fase de fazer joguinhos já passou.
Hoje eu quero alguém que me olhe e não tenha medo do que vai encontrar.
Sou imediatista. Intensa.
Vou dizer que amo talvez no mesmo dia que posso dizer adeus.
Eu só quero que me olhem nos olhos e entendam isso.
E que se não entenderem tenham total liberdade de se afastar.
Eu sou meio tequila com sal.
Causo diversas reações.
E se você não sabe beber, é melhor nem experimentar!

(Josiane Carneiro)

terça-feira, 25 de março de 2014

Seletiva.



Sinceramente, sou seletiva. Não me apaixono só porque o cara é filho da puta. Além dessa prerrogativa, ele tem que ser carinhoso, charmoso, sedutor e original. Pode ser inclusive um sujeito embaraçoso, embaraçado, sem necessariamente andar em desalinho e não me tratar como camarada nas bebedeiras de fim de noite no bar encardido da esquina perigosa. 
Se resmungar, que seja pela falta de minha presença. Sou seletiva também no quesito trivialidades. Pode fazer bobeiras, desde que sejam suportáveis. Pode e deve gostar daquela preguiça aguda de final do dia, principalmente aos domingos. Se roncar, que seja silencioso. Se fugir, que volte no final do dia. Se tiver como prioridade a avareza, que seja para dizer não.
Eu me apaixono por esses tipos revolucionários, indecentes, descarados na alma. Que enfrentam suas crises adiando as angústias, as perguntas, e experimentam de primeira os mergulhos nos improváveis. 
Apaixono-me pelos errados, uma vez que os certos estão em extinção. E se o sujeito possuir tendências para pular do cotidiano, para os atalhos, ganha-me sem direito a devolução.
Gosto dos idiotas sensacionais que compõem trilhas sonoras românticas e combinam andar descalços pelos ladrilhos pontiagudos para provar os perigos iminentes de amar sem restrição. Se for apressado para as fantasias, dispensar os protocolos e trouxer a primavera na bandeja do café da manhã, será imperdoável não amar esse sujeito.
Sinceramente, no amor, gosto de quem tira coelhos da cartola e brinca de faz-de-conta, mas pleno das habilidades mentais não desperdiça um lance para fazer declarações precipitadas de amor e algumas metáforas promocionais. 
Me encanta quem não possui roteiro e faz badernas emotivas por qualquer falta na relação. Seja falta de afeto, falta de abraços, amasso, tempo.
Os repetitivos tem prioridade em desperdiçar o seu tempo comigo. Gosto de quem se repete, escreve, publica, declara o que está além de sua compreensão, apenas para não deixar o afeto passar impune. Inventam o faz de conta do para sempre nesse exato momento.
Sujeito encantador, fala sozinho ou acompanhado e deixa escapar a sanidade por pura falta de interesse em coisas bem traduzidas, cuidadas e desvendadas. Sou envolvida pela dose e meia de loucura e frescura. E dou nota máxima para o aconchego que faz milagre nas rachaduras da solidão. 
Amor sacana e bacana é aquele que nunca esfria e nem pode ser requentado à meia noite. Sujeito cheio de lero-lero, especialista em perder-se lentamente na irracionalidade dos gostos, arroubos seletos e nas grades do afeto, certamente fará a composição do meu ritual de felicidade tola. Esse é dos meu! 
O sujeito sacana e bacana, chega esmigalhado de promessas tolas, furacões controláveis, voos multicoloridos e horizontes avermelhados de ternura. Fico fascinada por quem tem a habilidade de me fazer acreditar nas mentiras, desde que sejam sinceras e realizem sonhos a dois. Quem oferece as estrelas desenhadas em papel e tropeça a procura da borboleta imaginária, convertendo a ilusão numa loucura aprazível. Sujeito digno de um amor sacana, é aquele que liberta a sua feiura interior, faz virar pó qualquer adereço indigno das carícias amorosas e faz você acreditar que vale desperdiçar a vida. Alarga o coração e faz um espetáculo plugado aos bons pensamentos. Consome sobriedade, mas galopa na irônica ilusão de felicidade.
Nem faço exigência, desde que seja assim: sem qualquer futuro promissor, apenas o sujeito de meu amor. 
Conte-me se isso acontecer contigo.


(Ita Portugal)

segunda-feira, 24 de março de 2014

Namore uma mulher que sorria.


Ela vai te ensinar,
que são nas coisas mais simples da vida,
que estão os momentos mais importantes.
Namore uma mulher que sorria.
Ela vai te ensinar,
a não pensar demais.
Jogar fora o guarda-chuva.
Acabar  a timidez,
conversar mais do que permitido,
tomar banho no rio.
Namore uma mulher que sorria.
Ela vai te ensinar,
a rir de todas as coisas esquisitas da vida.
E principalmente,
não ligar para o que os outros pensam.
Namore uma mulher que sorria.
Mesmo sem fazer nenhum som,
de uma forma totalmente louca,
você vai ter vontade de abraça-lá.
Namore uma mulher que sorria.
Ela vai te ensinar,
que ser sério não está com nada.
A seriedade é duvidosa,
a alegria é interrogativa.
Namore uma mulher que sorria.
Ela vai te ensinar,
que satisfação,
caminha de mãos dada com a paixão.
Namore uma mulher que sorria.
Ela vai te ensinar,
a ser imprudente.
Porque se andar sempre em linha reta,
não terá historias para contar.
Namore uma mulher que sorria.
Ela vai te ensinar,
a chorar nos filmes bobos.
E dormir,
nos filmes chatos.
Namore uma mulher que sorria.
Ela vai te ensinar,
que ninguém deve julgar seus defeitos.
Namore uma mulher,
que sorria.
Ela vai te ensinar,
por mais que voce esteja sofrendo,
um sorriso,
sempre alivia um pouco.
Namore uma mulher que sorria.
Ela vai te ensinar,
que às vezes,
é preciso chorar.
Porque se você procurar felicidade eterna,
não encontrará.
Namore uma mulher que sorria.
Ela vai te ensinar,
que amor não precisa de papel assinado.
Namore uma mulher que sorria.
Ela vai te ensinar,
a não arrumar a casa na segunda-feira,
não sofrer com o fim do domingo.
Namore uma mulher que sorria.
Ela vai te ensinar,
uma vez ou outra,
que começar de novo é tudo o que você precisa.
Namore uma mulher que sorria.
Ela vai te ensinar,
que as mulheres não são frágeis.
Elas só querem
alguém para sorrir junto. 

(Ique Carvalho)

Detalhe do sublime.


Entrego-me a essa autoflagelação e dou a luz a uma imensa pena de mim mesmo, alimentando as pequenas dorzinhas e para quê? Pura e doce mel-ancolia. Só que dentro de minha confusão, a ternura não cede, invade-me de novo.


Tenho um olho atravessado pelo detalhe do sublime. 

(Tiago Fabris Rendelli)

Meus maiores sentimentos.


Se você não consegue entender o meu silêncio de nada irá adiantar as palavras, 
pois é no silêncio das minhas palavras que estão todos os meus maiores sentimentos.


(Oscar Wilde)

Invictus.

Noite à fora que me cobre
Negra como breu de ponta a ponta
Eu agradeço, a seja quais forem os Deuses
Por minha alma inconquistável.

Nas cruéis garras da circunstância
Eu não fiz cara feia ou sequer gritei.
Sob as pauladas da sorte
Minha cabeça está sangrenta, mas não abaixada.

Além desse lugar de raiva e lágrimas
É iminente o horror da escuridão
E ainda o avançar dos anos
Encontra, e deve encontrar, sem medo.

Não importa o quão estreito seja o portão,
O quão carregado com castigos esteja o pergaminho,
Eu sou o mestre do meu destino;
Eu sou o capitão da minha alma.



(William Ernest Henley)

quarta-feira, 19 de março de 2014

Soneto da minha vida.




Vida, vida minha,
por que tão sozinha,
cercada de linhas
que não me cruzam?

Vida, vida minha,
por que não caminhas
por bandeirinhas
mais coloridas?

Vida, vida minha,
por que a avezinha
que voava caiu dura?

Vida, vida minha,
quem te segura
assim sozinha?

(Lumiere)

Carência.



Gente carente é um porre. Gente carente é um saco. O mundo é carente, eu sou carente, você é carente e toda essa gente que nos olha de relance é carente.
Estamos forrados pela película do quero mais um bocado de carinho, preciso de mais um abraço, de um esforço dobrado do outro pra ser feliz. E isso nos torna feliz? Não, não, é tudo momentâneo, exigiremos mais do outro a cada dia, mesmo com uma dose cavalar de cuidados, ainda assim, seremos carentes.
Eu, você e a sociedade que nos vê com olhos de criança abandonada, precisamos da mão amiga, do olhar acolhedor, da batidinha nas costas, mesmo que seja um ato falso, vindo de alguém com caráter duvidoso. 
Forjamos um riso, engolimos a lágrima que dilacera por dentro, para nos mostrar interessantes e sermos aceitos pela plateia que nos assiste por entre as lentes do dia a dia. 
Prolongamos laços com o desconhecido, buscamos o apoio daqueles que parecem fortes, mas nada disso supre o buraco interno nosso de cada dia. O lance é bem complexo, achamos que somos espertos demais, mas nossa burrice atingiu o nível hard da carência. 
Enrustidos pela ganância de sermos seres apaixonantes, quando, na verdade, somos seres milimetricamente medíocres, esperando um riso, ou uma palavra de verdade, acabamos por alimentar essa roda que nunca para de girar. 
A todo instante mais um carente entra nesta roda. Brincando de girar, talvez alguém ainda encontre o verdadeiro significado de se bastar.
Quando a gente se basta, nenhuma carência encontra raiz pra se infiltrar em nossa vida. E digo mais, não quero nenhum carente de plantão fazendo bico ao finalizar a leitura. Isso vale pra mim também.


(Ju Fuzetto)

terça-feira, 18 de março de 2014

Braços vazios.


Seja forte, siga em frente, respire fundo, e perceba a importância de se ter braços vazios, pra que se possa ter espaço em si para abraçar o mundo.

(Marla de Queiroz)

Coragem.



A todos os ventos eu peço coragem.
A cada estrela, estrada.
Ao mar que não morre nunca, eu peço coragem.
E ao sol e à lua e a todo firmamento.
A cada pássaro, a cada pedra, a cada bicho da terra e do ar.
Peço coragem a tudo o que vive agora e ainda viverá.
Coragem para cavalgar os dias, navegar nas horas
E a cada minuto e segundo sonhar.


(Roseana Murray)

domingo, 16 de março de 2014

Sinto muito.



Essa minha secura
essa falta de sentimento
não tem ninguém que segure,
vem de dentro.
Vem da zona escura
donde vem o que sinto.
Sinto muito,
sentir é muito lento.

(Paulo Leminski)

sábado, 15 de março de 2014

Infinito particular.



Eis o melhor e o pior de mim
O meu termômetro, o meu quilate
Vem, cara, me retrate
Não é impossível
Eu não sou difícil de ler
Faça sua parte
Eu sou daqui, eu não sou de Marte
Vem, cara, me repara
Não vê, tá na cara, sou porta bandeira de mim
Só não se perca ao entrar
No meu infinito particular
Em alguns instantes
Sou pequenina e também gigante
Vem, cara, se declara
O mundo é portátil
Pra quem não tem nada a esconder
Olha minha cara
É só mistério, não tem segredo
Vem cá, não tenha medo
A água é potável
Daqui você pode beber
Só não se perca ao entrar
No meu infinito particular


(Marisa Monte)

Das coisas que teremos para sempre.


Ninguém pode possuir um pôr-do-sol como aquele que se viu uma tarde. Assim como ninguém pode possuir uma tarde de chuva a bater na vidraça, ou a serenidade que uma criança espalha em seu redor enquanto dorme, ou o momento mágico das ondas a rebentar nas rochas. Ninguém pode possuir o que de mais belo existe na Terra - mas podemos conhecer e amar. Com estes momentos o verdadeiro Deus mostra-se aos Homens. Não somos donos do sol, nem da tarde, das ondas ou mesmo da visão de Deus - porque não podemos possuir-nos a nós próprios. As pessoas dão flores como presente porque é nas flores que está o verdadeiro sentido do Amor. Quem tentar possuir uma flor, verá a sua beleza murchar. Mas quem apenas a olhar num campo, permanecerá para sempre com ela, porque ela combina com a tarde, com o pôr-do-sol, com o cheiro da terra molhada e com as nuvens no horizonte.
Isso aprendi contigo, nunca serás meu; por isso ter-te-ei para sempre.
Lembrar-me-ei para sempre que o Amor é liberdade.
Lembrar-me-ei de ti toda a vida, e talvez tu te lembres de mim.

Assim como lembrarei aquele entardecer, as janelas com chuva e das coisas que teremos para sempre porque não podemos possuí-las.
(Paulo Coelho em "Brida")

Ouvir estrelas.


  "Ora, direis ouvir estrelas! Certo
  Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,
  Que, para ouví-las, muitas vezes desperto
  E abro as janelas, pálido de espanto...
 
  E conversamos toda a noite, enquanto
  A via Láctea, como um pálio aberto,
  Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
  Inda as procuro pelo céu deserto.
 
  Direis agora! "Tresloucado amigo!
  Que conversas com elas? Que sentido
  Tem o que dizem, quando estão contigo?"
 
  E eu vos direi: "Amai para entendê-las:
  Pois só quem ama pode ter ouvido

  Capaz de ouvir e de entender estrelas".

(Olavo Bilac)

Há muita beleza.


Então tu chegas e cuidas de minhas chagas, cuido das tuas. Nos amamos em uivos, em dores e em apelo. Sei de nossa miséria, de nosso recolher de cacos, de nossos cortes, dos desenhos no chão feitos daquilo que vomitamos ontem. Vejo uma estrela de um lado, do outro um cavalo branco, gosto de cavalos brancos, têm coisas tuas, minhas e outras que não distingo, meio infinito. Claro que tem a aquela coisa verde, aquele cheiro, aquele quente. Acontece que sei que há muita beleza em tudo que é feio.

(Tiago Fabris Rendelli) 

Florecer.



Florescer exige passar por todas as estações. 

(Ita Portugal)

quinta-feira, 13 de março de 2014

Deus me cuida.



Linda é a certeza de que ainda que a vida seja difícil, Deus me cuida de pertinho.
Desde as coisas mais simples até aquelas que parecem impossíveis.

(Sirlei L. Passolongo)

A menina e o pássaro.


Era uma vez uma menina que tinha um pássaro como seu melhor amigo.
Ele era um pássaro diferente de todos os demais: era encantado.

Os pássaros comuns, se a porta da gaiola ficar aberta, vão-se embora para nunca mais voltar. Mas o pássaro da menina voava livre e vinha quando sentia saudades… As suas penas também eram diferentes. Mudavam de cor. Eram sempre pintadas pelas cores dos lugares estranhos e longínquos por onde voava. Certa vez voltou totalmente branco, cauda enorme de plumas fofas como o algodão…

— Menina, eu venho das montanhas frias e cobertas de neve, tudo maravilhosamente branco e puro, brilhando sob a luz da lua, nada se ouvindo a não ser o barulho do vento que faz estalar o gelo que cobre os galhos das árvores. Trouxe, nas minhas penas, um pouco do encanto que vi, como presente para ti…

E, assim, ele começava a cantar as canções e as histórias daquele mundo que a menina nunca vira. Até que ela adormecia, e sonhava que voava nas asas do pássaro.

Outra vez voltou vermelho como o fogo, penacho dourado na cabeça.

— Venho de uma terra queimada pela seca, terra quente e sem água, onde os grandes, os pequenos e os bichos sofrem a tristeza do sol que não se apaga. As minhas penas ficaram como aquele sol, e eu trago as canções tristes daqueles que gostariam de ouvir o barulho das cachoeiras e ver a beleza dos campos verdes.
E de novo começavam as histórias. A menina amava aquele pássaro e podia ouvi-lo sem parar, dia após dia. E o pássaro amava a menina, e por isto voltava sempre.
Mas chegava a hora da tristeza.
— Tenho de ir — dizia.
— Por favor, não vás. Fico tão triste. Terei saudades. E vou chorar…— E a menina fazia beicinho…
— Eu também terei saudades — dizia o pássaro. — Eu também vou chorar. Mas vou contar-te um segredo: as plantas precisam da água, nós precisamos do ar, os peixes precisam dos rios… E o meu encanto precisa da saudade. É aquela tristeza, na espera do regresso, que faz com que as minhas penas fiquem bonitas. Se eu não for, não haverá saudade. Eu deixarei de ser um pássaro encantado. E tu deixarás de me amar.
Assim, ele partiu. A menina, sozinha, chorava à noite de tristeza, imaginando se o pássaro voltaria. E foi numa dessas noites que ela teve uma ideia malvada: “Se eu o prender numa gaiola, ele nunca mais partirá. Será meu para sempre. Não mais terei saudades. E ficarei feliz…”
Com estes pensamentos, comprou uma linda gaiola, de prata, própria para um pássaro que se ama muito. E ficou à espera. Ele chegou finalmente, maravilhoso nas suas novas cores, com histórias diferentes para contar. Cansado da viagem, adormeceu. Foi então que a menina, cuidadosamente, para que ele não acordasse, o prendeu na gaiola, para que ele nunca mais a abandonasse. E adormeceu feliz.
Acordou de madrugada, com um gemido do pássaro…
— Ah! menina… O que é que fizeste? Quebrou-se o encanto. As minhas penas ficarão feias e eu esquecer-me-ei das histórias… Sem a saudade, o amor ir-se-á embora…
A menina não acreditou. Pensou que ele acabaria por se acostumar. Mas não foi isto que aconteceu. O tempo ia passando, e o pássaro ficando diferente. Caíram as plumas e o penacho. Os vermelhos, os verdes e os azuis das penas transformaram-se num cinzento triste. E veio o silêncio: deixou de cantar.
Também a menina se entristeceu. Não, aquele não era o pássaro que ela amava. E de noite ela chorava, pensando naquilo que havia feito ao seu amigo…
Até que não aguentou mais.
Abriu a porta da gaiola.
— Podes ir, pássaro. Volta quando quiseres…
— Obrigado, menina. Tenho de partir. E preciso de partir para que a saudade chegue e eu tenha vontade de voltar. Longe, na saudade, muitas coisas boas começam a crescer dentro de nós. Sempre que ficares com saudade, eu ficarei mais bonito. Sempre que eu ficar com saudade, tu ficarás mais bonita. E enfeitar-te-ás, para me esperar…
E partiu. Voou que voou, para lugares distantes. A menina contava os dias, e a cada dia que passava a saudade crescia.
— Que bom — pensava ela — o meu pássaro está a ficar encantado de novo…
E ela ia ao guarda-roupa, escolher os vestidos, e penteava os cabelos e colocava uma flor na jarra.
— Nunca se sabe. Pode ser que ele volte hoje…
Sem que ela se apercebesse, o mundo inteiro foi ficando encantado, como o pássaro. Porque ele deveria estar a voar de qualquer lado e de qualquer lado haveria de voltar. Ah!
Mundo maravilhoso, que guarda em algum lugar secreto o pássaro encantado que se ama…
E foi assim que ela, cada noite, ia para a cama, triste de saudade, mas feliz com o pensamento: “Quem sabe se ele voltará amanhã….”
E assim dormia e sonhava com a alegria do reencontro.

(Rubem Alves)


quarta-feira, 12 de março de 2014

Do mais puro amor.



Eles viviam por aí. E eram costurados de solidão e desamparo. Tinham olhos apedrejados por exuberâncias e por muita luz. Construídos por vontades desesperadas, assim, cães raivosos na espera do afago, a mordida contaminada na carne da vida que lhes era negada. Dividiam-se por becos sujos numa ilusão opaca de desbravar o abandono e sentiam-se emocionados quando o sol morria no colo das montanhas. Criaturas completamente ternas, que choravam por uma pata de formiga separada de seu corpo ou pelo afogamento de um rio em suas areias. Comiam restos, ansiavam na penumbra, precipitavam-se na colheita e deixavam o parasita matar a flor por respeito à vida. E no fim nunca desapareciam porque nunca haviam chegado a existir. Eram como o vento, como a febre, como a água, como a chaga, como o ontem.

Eram feitos do mais puro amor.

(Tiago Fabris Rendelli)

Prometo.



Quando as lágrimas terminarem de molhar teu corpo, te segurarei em meus braços para cuidar de feridas ancestrais. Direi palavras doces e lentas para limpar o pó de tanta amargura. Juntos iremos para esse lugar distante, onde sempre exista luz, esperanças de sol e janelas constantemente abertas. 

Prometo.

(Tiago Fabris Rendelli)

domingo, 9 de março de 2014

E pra ela? Por quem ela espera?


Estranho é que ela já apanhou demais da vida. Essa moça tem relacionamentos estranhos, acho que ela está condicionada a ser uma pessoa substituta. E quem não é? A gente sempre acha que é especial na vida de alguém, mas o que te garante que você não está somente servindo pra tapar buracos, servindo de curativo pra feridas antigas? A moça... ela amou muito, ama, e amará, e muito se machuca também. Porque amar também é isso não? Dar o seu melhor para curar outra pessoa de todos os golpes, até que ela fique bem e te deixe para trás, fraco e sangrando. Daí você espera por alguém que venha te curar.
As vezes esse alguém aparece, outras vezes não.
E pra ela? Por quem ela espera?

(Caio Fernando Abreu)