Aos poucos, assaltou-me a ideia
de que atrás da capa de cada um daqueles livros se abria um infinito universo
por explorar e que, fora daquelas paredes, o mundo deixava que a vida passasse
em tardes de futebol e em novelas de rádio, satisfeito em ver apenas até onde
vai o seu umbigo e pouco mais. Talvez tenha sido esse pensamento, talvez o
acaso ou seu parente elegante, o destino, mas naquele mesmo instante percebi
que já tinha escolhido o livro que ia adotar. Ou talvez devesse dizer, o livro
que me adotaria.
(Carlos Ruiz Zafón in A Sombra do
Vento)
O problema, garoto, é que já li livros demais. Mergulhei em milhares de linhas recheadas de contos de fadas, de amores impossíveis, de aventuras infinitas, de sonhos alcançáveis, de suspiros, de lágrimas torrenciais. Eu li casos impossíveis, vi quem amava sem ser correspondido e comia as páginas torcendo para que o fim do personagem fosse aquele que todo leitor quer, mas que o autor judia. Vi gente caminhando de mãos dadas, mesmo o destino querendo impedir. Amor vencendo a diferença de idades, amor juvenil, infantil e inocente. Chorei debaixo das cobertas, com o celular ligado pra ler as frases que borravam à medida que os olhos enchiam e sorri depois, por ser tão boba. E depois, mais boba ainda, voltava a ler o mesmo velho livro e me via chorando nas mesmas conhecidas partes e, irrisoriamente, desejando um final diferente. Mais feliz. Sei lá, garoto. Eu tenho em mim imagens de lugares que nunca pisei e saudade de pessoas que nunca vi, mas que conheci o mais íntimo, os segredos, os medos, os desejos, tudo ali, impressos num pedaço de papel que – caramba! – como tenho ciúmes. De todas as folhas, de todos os capítulos, de todo ponto final. Final, garoto. Infelizmente, todo livro tem um final. Todo personagem termina no final, mesmo ficando pra sempre aqui do lado de dentro, seja na memória, seja no peito. Sabia? Tem personagem que amo. Então, garoto, não venha me dizer que contos de fadas não existem, porque eu já li livros demais. E quando se lê livros demais a realidade difunde na ficção e os sonhos se misturam com o que vi ao vivo e o que vi lendo e tudo vira saudade: do que li, do que fui quando li e do que quero ser quando ler de novo.
(Maria Fernanda Probst)
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