Como se pudesse mudar quem foi, quem era e como nasceu ela resolveu se transformar. E mudou. Mudou os cabelos que perderam os cachos e ganharam alguns muitos centímetros. Mudou o jeito de se vestir, que passou de menina a mulher. O jeito de falar, o jeito de andar e até o jeito de olhar. Quem a visse hoje – e que não a conheceu antes – jamais saberia o que nem quem ela fora. Como se pudesse esquecer os anos passados, as experiências vividas, os medos superados, ela resolveu mudar. E mudou. Mudou as amizades – esqueceu aquelas velhas e se dedicou a um novo círculo de relacionamentos que combinava mais com o seu momento. E mudou seus interesses. As pessoas pouco importavam, ela estava num mundo onde podia ter todas as experiências que quisesse, as pessoas que quisesse, o divertimento que quisesse, tudo que quisesse. Pra que pensar nos outros? Era só ela.
Mudou os hábitos. Já não via mais programas de televisão, não acompanhava novelas e trocou os filmes por livros. Como se pudesse apagar os costumes e simplesmente esquecê-los, ela deixou de frequentar os velhos lugares. Os restaurantes, a pizzaria, a sorveteria. Passou a freqüentar bares. E beber. Já não ouvia mais as mesmas músicas, já não tinha mais ídolos. Só ouvia – gostava ou desgostava das canções.
As preferências, as referências, os amigos, o gosto, o cabelo, o perfume. Como se mudar fosse fácil – ou como se fosse possível – ela mudou.
(E como se pudesse fazer transplante de sentimentos e mudar tudo que sentia, ela resolveu que o esqueceria. E transplantou o coração, o pensamento e o gostar. Não o esqueceu. Mas passou a não lembrar.)
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