sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

o julgamento.



Teremos sempre gente nos julgando. 
Os vizinhos, os parentes, os colegas de trabalho, da academia e do inglês, quem nos tirou no amigo-secreto, quem nos viu no cinema. 
Chamados para opinar, vão demonstrar uma intimidade surpreendente. 
Não é paranoia, todos só estão esperando que eu faça algo realmente grande para confessar que me conheciam. 
E pode ser agradável e pode ser nocivo, não importa, as maçãs podres partilham a cesta com as frutas sadias, o joio e o trigo são irmãos gêmeos, a maldade e a bondade são mais parecidas entre si do que o amor e a amizade. 
Diante de uma atitude boa, dirão que já sabiam que eu era sinônimo de retidão. 
Diante de um fato ruim, também dirão que já sabiam que eu não prestava. 
O sonho da maioria é desfraldar a faixa: “Eu já sabia, Galvão”. 
O fofoqueiro deseja ser profeta, pretende dar a notícia em primeira mão seja lá qual for e como for. 
Os conhecidos guardam meus antecedentes negativos e positivos numa pastinha na área de trabalho do Windows, prontos para a impressão.
[...]
Somos influenciáveis. Há a ânsia em definir o próximo para nos poupar da encrenca de assumir as próprias ambiguidades. 
Em caso de me converter num herói salvando criança de atropelamento, a opinião pública tecerá elogios de minha conduta familiar. Lembrará do amor incondicional aos filhos. 
Na hipótese de atropelar alguém, o público me enxergará como uma máquina mortífera desde a infância. Desde quando andava de triciclo e amassava formigas. Puxarão os pontos da carteira de habilitação, e o zelador do meu prédio, Carlos, descreverá minhas dificuldades para tirar o carro de ré. 
Teremos sempre gente nos condenando. Viver é uma execução sumária. 
Certo que, um dia, termino no paredão. 
Pelo menos, vou pintando os muros de meu fim. Verdes de esperança. 
Mas não faltará amigo supondo que isso é ironia. 

(Fabrício Carpinejar in Eu já sabia)

Nenhum comentário:

Postar um comentário