domingo, 18 de dezembro de 2011

a outra parte.




"O fato é que isto acontece – continuou Wicca. – E quando as pessoas pensam em reencarnação, elas sempre se defrontam com uma pergunta muito difícil: se no começo existiam tão poucos seres humanos sobre a face da Terra, e hoje existem tantos, de onde vieram essas novas almas?
Brida estava com a respiração suspensa. Já fizera esta pergunta a si mesma muitas vezes.
– A resposta é simples – disse Wicca, depois de saborear por algum tempo a ansiedade da menina. – Em certas reencarnações, nós nos dividimos. Assim como os cristais e as estrelas, assim como as células e as plantas, também nossas almas se dividem.
“A nossa alma se transforma em duas, estas novas almas se transformam em outras duas, e assim, em algumas gerações, estamos espalhados por boa parte da Terra.”
– E só uma destas partes tem a consciência de quem é? – perguntou Brida. Ela guardava muitas perguntas, mas queria fazer uma de cada vez; esta lhe parecia a mais importante.
– Fazemos parte do que os alquimistas chamam de Anima Mundi, a Alma Mundi, a Alma do Mundo – disse Wicca, sem responder a Brida. – Na verdade, se a Anima Mundi fosse apenas se dividir, ela estaria crescendo, mas também ficando cada vez mais fraca. Por isso, assim como nos dividimos, também nos reencontramos. E este reencontro chama-se Amor. Porque quando uma alma se divide, ela sempre se divide numa parte masculina e numa parte feminina.
“Assim está explicado no livro do Gênesis: a alma de Adão dividiu-se, e Eva nasceu de dentro dele.”
Wicca parou, de repente, e ficou olhando o baralho espalhado sobre a mesa.
– São muitas cartas – continuou –, mas fazem parte do mesmo baralho. Para entendermos sua mensagem, precisamos de todas, todas são igualmente importantes. Assim também são as almas. Os seres humanos estão todos interligados, como as cartas deste baralho.
“Em cada vida temos uma misteriosa obrigação de reencontrar pelo menos uma dessas Outras Partes. O Amor Maior, que as separou, fica contente com o Amor que as torna a unir.”
E como posso saber que é a minha Outra Parte? – ela considerava esta pergunta como uma das mais importantes que fizera em toda a sua vida.
Wicca riu. Também já se perguntara a respeito disto, com a mesma ansiedade que aquela menina a sua frente. Era possível conhecer a Outra Parte pelo brilho nos olhos – assim, desde o início dos tempos, as pessoas reconheciam seu verdadeiro amor. A Tradição da Lua tinha um outro processo: um tipo de visão que mostrava um ponto luminoso acima do ombro esquerdo da Outra Parte. Mas ainda não ia contar isto para ela; talvez ela terminasse aprendendo a ver este ponto, talvez não. Em breve teria a resposta.
– Correndo riscos – disse para Brida. – Correndo o risco do fracasso, das decepções, das desilusões, mas nunca deixando de buscar o Amor. Quem não desistir da busca, vencerá.
 (...)
Somos responsáveis pela Terra inteira, porque não sabemos onde estão as Outras Partes que fomos desde o início dos tempos; se elas estiverem bem, também seremos felizes. Se estiverem mal, sofreremos, ainda que inconscientemente, uma parcela dessa dor. Mas, sobretudo, somos responsáveis por reunir de volta, pelo menos uma vez em cada encarnação, a Outra Parte que com certeza irá cruzar o nosso caminho. Mesmo que seja por instantes, apenas; porque esses instantes trazem um Amor tão intenso que justifica o resto de nossos dias.
Também podemos deixar que nossa Outra Parte siga adiante, sem aceitá-la, ou sequer percebê-la. Então precisaremos de mais uma encarnação para nos encontrar com ela.


“E por causa do nosso egoísmo, seremos condenados ao pior suplício que inventamos para nós mesmos: a solidão."

(Brida - Paulo Coelho)

2 comentários:

  1. Que um dia a "nossa outra parte" cruze nosso caminho para que seja afastada essa sombra ou assombro que se chama "solidão"

    ResponderExcluir