... penso sempre em você. Não são pensamentos escuros, embora noturnos. Tão transparentes
que até parecem de vidro, vidro tão fino que, quando penso mais forte, parece
que vai ficar assim clack! e quebrar em cacos, o pensamento que penso de você. E de madrugada eu me veria catando
cacos de vidro entre os lençóis. Brilham, na palma da minha mão. Num deles, tem
uma borboleta de asa rasgada. Noutro, um barco confundido com a linha do
horizonte, onde também tem uma ilha. Não, não: acho que a ilha mora num
caquinho só dela. Noutro, um punhal de jade. Coisas assim, algumas ferem, mesmo
essas que são bonitas. Parecem filme, livro, quadro. Não doem porque não
ameaçam. Nada que eu penso de você ameaça.
Daí penso coisas bobas quando, sentado na janela
do ônibus, encosto a cabeça na vidraça,
deixo a paisagem correr, e penso demais em você.
Boas e bobas, são as coisas todas que penso quando
penso em você. Assim :
de repente ao dobrar uma esquina dou de cara com você que me prega um susto de
mentirinha como aqueles que as crianças pregam umas nas outras. Finjo que me
assusto, você me abraça e vamos tomar um sorvete, suco de abacaxi com hortelã
ou comer salada de frutas em qualquer lugar. Assim: estou pensando em você e o
telefone toca e corta o meu pensamento e do outro lado do fio você me diz:
estou pensando tanto em
você. Digo eu também, mas não sei o que falamos em seguida porque
ficamos meio encabulados, a gente tem muito pudor de parecer ridículos melosos
piegas bregas românticos pueris banais. Mas no que eu penso, penso também que
somos meio tudo isso, não tem jeito, é tudo que vamos dizendo, quando falamos
no meu pensamento, é frágil como a voz de Olívia Byington cantando Villa-Lobos,
mais perto de Mozart que de Wagner, mais Chagal que Van Gogh, mais Jarmush que
Win Wenders, mais Cecília Meireles que Nelson Rodrigues.
Tenho trabalhado tanto, por isso mesmo talvez ando
pensando assim em você.
Brotam espaços azuis quando penso. No meu pensamento, você
nunca me critica por eu ser um pouco tolo, meio melodramático, e penso então
tule nuvem castelo seda perfume brisa turquesa vime. E deito a cabeça no seu
colo ou você deita a cabeça no meu, tanto faz, e ficamos tanto tempo assim que
a terra treme e vulcões explodem e pestes se alastram e nós nem percebemos, no
umbigo do universo. Você toca minha mão, eu toco na sua.
Demora tanto que só depois de passarem três mil
dias consigo olhar bem dentro dos seus olhos e é então feito mergulhar numas
águas verdes tão cristalinas que têm algas na superfície ressaltadas contra a
areia branca do fundo. Aqualouco, encontro pérolas. Sei que é meio idiota, mas
gosto de pensar desse jeito, e se estou em pé no ônibus solto um pouco as mãos
daquela barra de ferro para meu corpo balançar como se estivesse a bordo de um
navio ou de você. Fecho os olhos, faz tanto bem, você não sabe. Suspiro tanto
quando penso em você, chorar só choro às vezes, e é tão freqüente. Caminho mais
devagar, certo que na próxima esquina, quem sabe. Não tenho tido muito tempo
ultimamente, mas penso tanto em você que na hora de dormir vezemquando até
sorrio e fico passando a ponta do meu dedo no lóbulo da sua orelha e repito repito
em voz baixa te amo tanto dorme com os anjos. Mas depois sou eu quem dorme e
sonha, sonho com os anjos. Nuvens, espaços azuis, pérolas no fundo do mar.
Clack! como se fosse verdade,
um beijo.
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