Ela
sabia que aquele tipo de solidão rimava com aflição, mas ainda vivia num mundo
de falso desapego e consequente desilusão. Rodava por aí como se nada fizesse
sentido e como se lidasse bem com a própria mentira. Morria de medo da dor,
mas, para seu azar, a dor parecia ter uma especial predileção por ela.
Pobre
menina, amparada pela piedade de seu próprio martírio. Certas vezes,
mantinha-se enlaçada no manto que a fragilizava, outras, saia despreocupada,
despida da agonia que a blindava, vagava tentando manter-se intacta ao
sofrimento, mas à noite, a saudade embrutecia seu sono e infiltrava grandes
doses de tempestades em seus olhos. Molhava o travesseiro e a alma, mas
mantinha a postura seca e ligeiramente sóbria ao amanhecer. Puro ato de
coragem, ou não, era assim que toda a sua fraqueza se transformava em
fortaleza.
Ela
não tinha a quem recorrer além de alguns poucos amigos, umas doses de qualquer
coisa que lhe tirasse do ar de vez em quando e um velho diário. Velho porque o
começara há muito tempo, mas escrevia quase que mensalmente apenas e, nas
poucas linhas, despejava os seus anseios, algumas bobagens doces e pesadelos
amargos. Era seu consolo escrever até amanhecer, prostrada na amargura, ou numa
loucura. A escrita era o seu único passaporte para saltar de dentro de si.
Então, escrevia coisas açucaradas, mas seu paladar intuitivo pedia mais.
Rabiscava
outros mundos, alguns azedos, outros sem gosto. Ia do amor à dor sem chorar,
guardando cada sílaba na boca, pronta para beijar algum sapo, ou algum príncipe
que pintasse no seu faz de conta. Sabia que isso podia ser real, mesmo assim
decidiu trancar-se na antiga dor de sempre, naquela bendita companhia
acolhedora. Eram amigas íntimas e, de vez em quando, uma se embutia na outra,
ora moça, ora solidão. Mas a solidão enlouquece e um dia ela se viu diante da
oportunidade de despejar seus anseios, provavelmente realizá-los, quando
encontrou alguém que ria das mesmas bobagens, alguém que também açucarava, mas
sabia acrescentar pimenta e sal na medida, e que também tinha pesadelos
amargos, às vezes acordado. Alguém que sabia caminhar em meio à nebulosidade de
sua mente, mas também sabia que ela podia ser dissipada com um sopro de
carinho. Sim, ela encontrou esse alguém. Pois mesmo trancados e escondidos,
acabamos sendo descobertos. Uma escorregada pelo mundo exterior e corremos o
risco de virarmos alvos. Assim, sem nem pensar a respeito, ela foi encontrada.
Ser encontrada não é o problema. O problema é se deixar encontrar. E a
moça-solidão foi: caminhando rumo a um encontro que poderia ser desastroso, mas
surpreendentemente, não foi.
Então
ela, boquiaberta e braços escancarados, na ponta dos pés, querendo alcançar a
lua, voou em direção à colisão: de almas, de corpos, de suores, de existência.
Deixou largada no canto do quarto a roupa de solidão. Já não caía bem mesmo. Só
agora ela percebia: parecia ter sido feita por um costureiro muito ruim, sem
nenhum senso de estilo e que ainda por cima não gostava dela. Não, não. O
tecido pinicava. Chega de se vestir de NÃO.
(Ju Dacoregio e Ju Fuzetto)
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